domingo, 27 de outubro de 2013

Estímulos conferem novo contorno às artes visuais

Estímulos conferem novo contorno às artes visuais

Porto Alegre figura em sexto lugar nesse segmento, perdendo posição para outras capitais, como Belo Horizonte e Goiânia
Roberta Mello
ANTONIO PAZ/JC
Presser afirma que retração não é fruto apenas da situação econômica, mas de hábitos comportamentais
Presser afirma que retração não é fruto apenas da situação econômica, mas de hábitos comportamentais
O mercado de artes visuais, como não poderia deixar de ser, está diretamente ligado à conjuntura econômica, e, consequentemente, aos setores educacional e cultural no espaço no qual está inserido. O Brasil dá mostras de crescimento nessa área, principalmente com o fortalecimento de feiras como a SP-Arte e a ArteRio e o aumento maciço de galerias. Porém, como em muitos outros segmentos, o que está fora do eixo Rio-São Paulo não apresenta um desenvolvimento comparável ao dos dois estados.
No Rio Grande do Sul, os movimentos dos anos 1980 e a formação de uma cena cultural forte traziam a expectativa de que o Estado se manteria em posição privilegiada. Época de efervescência artística consolidada pelo surgimento de galerias até hoje importantes, como a Bolsa de Arte e a Arte&Fato, pelo “boom” do mercado de arte internacional e pela abertura política no Brasil, a década foi berço do denominado “retorno à pintura” e da “Geração 80”. Nesse período, apesar de não contar com estimativas oficiais, acredita-se que Porto Alegre figurava em terceiro lugar entre as cidades com maior mercado no Brasil. Hoje, segundo artistas e analistas do mercado, a Capital está em sexto lugar no ranking, perdendo posição para cidades como Belo Horizonte e Goiânia.
O jornalista, crítico de arte e fundador da galeria Arte&Fato, Décio Presser, diz que a instabilidade econômica nacional dos anos 1990 desestimulou a formação de uma nova geração de colecionadores. No entanto, o coautor do Dicionário das Artes Plásticas no Rio Grande do Sul lembra que a retração no mercado visual, principalmente de artes plásticas, não está ligada apenas à piora nos índices da economia gaúcha, mas também a certos hábitos comportamentais da população. “O público gaúcho é muito conservador.” Além disso, para o crítico, há uma cultura sazonal de interesse em categorias artísticas. “Quando está acontecendo a Feira do Livro, o Festival de Teatro ou a Bienal do Mercosul, todos vão a esses lugares, que servem como divertimento a mais. Mas e no resto do ano?”, indaga.
Artista visual e mestre pela Ufrgs com pesquisa focada no mercado artístico da Capital, Felipe Caldas pontua ainda que o consumo de arte não é só uma questão de preferência estética, mas algo a ser  fomentado pelo ensino e estímulo ao gosto pela arte, logo, uma responsabilidade das escolas e da família. “Como diz o escritor Pierre Bourdieu, o gosto pela arte é fruto do hábito. Nós aprendemos a gostar e admirar a arte quanto mais experiências temos”, pontua.
O mercado gaúcho teve uma evolução muito pequena nos últimos anos se levarmos em conta o surgimento de grandes galerias. Prova disso é que, do total de 44 associadas à Associação Brasil de Arte Contemporânea (Abact), 26 delas são de São Paulo, 11 são do Rio de Janeiro e apenas uma é do Rio Grande do Sul - a Bolsa de Arte, de Porto Alegre. Pesquisa da Abact mostra que as galerias do mercado primário comercializaram cerca de 6.700 objetos em 2012. Já a publicação da feira de arte holandesa, Tefaf Art Market Report 2013, em um capítulo sobre o Brasil, apontou que o mercado brasileiro representa 1% do mundial – o que significa a movimentação de cerca de € 455 milhões em 2012. Portanto, se for levado em conta que do total de galerias pesquisadas pela Abact apenas uma é gaúcha (2% do montante pesquisado), esses números podem ser vistos como assustadores.
No entanto, tanto Décio Presser como Felipe Caldas afirmam que esses dados não podem ser levados ao pé da letra. Galerias como o Atelier Subterrânea, a Galeria Virtual VendoArte e a Urban Arts Porto Alegre são exemplos que ajudam a oxigenar a cena cultural da cidade. Nesse contexto, as iniciativas híbridas, a criação de novas dinâmicas socioculturais e a maior interlocução do espaço artístico - ainda visto como sacro por muitos - com os cidadãos comuns se ratificam como as principais apostas do mercado.

Precificação de obras leva em consideração diversos fatores

Longe de querer transformar o mercado em vilão, o artista visual Felipe Caldas prega que os artistas precisam entender suas dinâmicas e não ficar nas mãos dos galeristas. Para ele, atualmente, como em outras profissões, “a mercadoria é o artista”. Ainda que a afirmação pareça contrariar a imagem da figura de quem faz arte como alguém que precisa estar alheio ao mercado, é exatamente essa a lógica utilizada na precificação das obras.
O mercado de artes visuais é um dos mais incertos. Ao contrário de um produto industrializado, a precificação de uma obra é subjetiva e leva em conta fatores como o currículo do artista, sua fama, onde já expôs e até mesmo suas relações sociais, além do valor simbólico da obra de arte e do próprio gosto de quem a avalia.
Dessa forma, tudo o que cerca o pintor, escultor, fotógrafo, ou qualquer outro indivíduo incluído no segmento, contribui para a avaliação de sua obra. Assim, a conclusão de que o próprio artista se torna uma espécie de marca é bastante aceitável. “O valor das obras precisa ser mensurado porque o artista precisa comer. Mas com certeza o mercado de artes é baseado na mentira e na distinção”, revela Caldas, lembrando o quanto essa dinâmica está presente em outros setores da sociedade capitalista.
Por isso, o galerista Décio Presser é categórico: “o mercado de arte na verdade não existe, é uma ilusão, aqui tudo é uma aposta”. E não vale a pena adquirir uma obra pensando na sua valorização, pois apenas uma minoria vai valer mais com o tempo. Espaços e eventos fomentam o gosto por cultura e estimulam o desenvolvimento do mercado em sentido amplo. Apesar da retração nos anos 1990, o mercado de arte vem se recuperando, principalmente se for encarado em um sentido mais amplo do que simplesmente a compra e venda de obras. Como explica o artista e pesquisador Felipe Caldas, “é preciso entender o mercado de arte em sentido lato”.
Daí a importância de fomentar a cultura e o interesse pelas artes visuais através de iniciativas como a Bienal do Mercosul. Para formar não apenas colecionadores, mas apreciadores. “A Bienal traz uma grande efervescência cultural conectando Porto Alegre ao centro do País, ao Mercosul e ao mundo”, explica um dos curadores desta edição do evento, Bernardo de Souza.
Mais do que as galerias, a Bienal, assim como os museus, porém estes em proporção menor, “têm o dever de dar espaço a jovens artistas e de ajudar a dinamizar a vida cultural da cidade”, explica Souza. Além disso, lembra Bernardo, museus e eventos anuais ou bianuais como a Bienal acabam gerando empregos diretos e indiretos. Além da Bienal, instituições gaúchas como o Museu de Arte Contemporânea (Macrs), Museu de Artes do RS (Margs), Santander Cultural e a Fundação Iberê Camargo também desempenham papel importante no segmento. Ainda que o trabalho desenvolvido por estas gerem divergências entre artistas, curadores, galeristas e apreciadores de arte, um ponto beira a unanimidade: quando bem explorada, arte pode movimentar a economia.
E foi a partir do momento em que governo e iniciativa privada enxergaram o retorno econômico oriundo da valorização do patrimônio histórico cultural, do artesanato e das diferentes manifestações artísticas que a cena teve uma nova guinada. A criação de núcleos de Economia Criativa no Estado e nos municípios são uma das muitas provas disso.

Iniciativas democratizam mercado e diversificam consumidores


ANTONIO PAZ/JC
Urban Arts foge do modelo e oferece arte a preços acessíveis, diz Heller
A principal forma apontada pelos especialistas de reavivar o mercado é através da educação e da democratização das artes visuais. E um espaço descolado, com música animada e produtos a preços acessíveis, pode ser ideal para desconstruir a ideia de que uma obra de arte (em sentido restrito) é um privilégio de quem pode pagar caro por ela. A fim de provar que é possível adquirir uma obra a um preço acessível, surgiu a Urban Arts Porto Alegre, galeria especializada em acervo digital que nasceu em São Paulo há cerca de dois anos e chegou a Porto Alegre há apenas seis meses.
O conceito da Urban Arts se afasta do modelo de galerias tradicionais não apenas pela venda de produtos baratos, que podem servir até mesmo de presente, mas pelo tipo de acervo: o digital. Com mais de 5 mil obras, a galeria mantém um site através do qual o comprador pode escolher a imagem, a superfície onde será feita a impressão e o melhor tamanho.
Aliado à venda de pôsteres, canecas, camisetas, agendas e outros, o espaço organiza, mensalmente, exposições com obras originais de artistas gaúchos em consonância com o conceito jovem do espaço. Um dos sócios, o administrador de empresas Fernando Heller, destaca ainda que a galeria pretende ser realmente um espaço de venda de obras e quer que as pessoas se sintam à vontade para comprar. “Temos a política de fixar junto à descrição da obra o valor para que os compradores fiquem mais à vontade”, diz Heller.
Prova disso é que há seis meses a Urban Arts tinha apenas três lojas físicas no estado de São Paulo, duas delas na capital. A franquia de Porto Alegre foi a primeira fora de São Paulo. Hoje, já existem nove franquias espalhadas pelo País, e o mercado não para de crescer. As obras têm um limite máximo de 250 reproduções, e os artistas ganham uma percentagem
O principal chamariz do espaço são, sem dúvida, os pôsteres, que custam a partir de R$ 39,00, mas Heller disse que muitos visitam o espaço achando que nem vão ter condições de comprar muitas coisas, mas acabam levando. “Muitos chegam aqui achando que arte é algo inatingível e, ao comprarem uma peça da loja, estão levando arte para casa. Isso é o mais legal”, festeja o jovem aventureiro no mercado de galerias.
A galeria Arte&Fato também passa por uma reinvenção. Deixando um pouco de lado o público jovem que buscava atrair no início de sua história, o foco agora são clientes adultos, com maior estabilidade econômica. Sempre focada em artistas locais, nos dois espaços amplos da galeria localizada na avenida Protásio Alves, é possível encontrar desde obras de cerca de R$ 500,00, ou menos, até de R$ 25 mil, valores que, segundo o galerista, tornam possível a aquisição para a população de classe média e rica. “Mas para melhorar o mercado, só mudando a cabeça do gaúcho. As pessoas hoje estão mais preocupadas em investir em informática, carros e apartamentos de luxo, as obras de arte são a segunda opção”, lamenta o galerista Décio Presser.
Se um dos pilares atuais de sustentação do desejo pela arte é a distinção social, ao aceitarmos o mercado como algo maior, notamos que é a sua democratização que fará com que ele sobreviva. A grande reprodutibilidade técnica da arte combinada com o aumento do poder de compra de uma camada da população antes esquecida lançam novos desafios a galeristas e artistas. A arte é calcada na (re)invenção. O mercado de arte não pode ser diferente.

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